Cada um tem uma história feita de alegrias e entusiasmos, mas também de
feridas e condicionamentos. Entretanto, o passado não é uma prisão. Quem o
acolhe, quem tem a coragem de fazer as pazes, pode se tornar uma pessoa melhor.
Às vezes, um mestre.
Nestes dias em que se fala tanto de violência, dentro e fora das
penitenciárias, uma pequena reflexão a partir da realidade dos muitos réus aos
quais é oferecida a possibilidade de pagar a sua pena no Arsenal da Esperança
realizando um serviço a favor da coletividade.
Muitos
de nós estão seguros de que jamais cometerão um erro, uma irregularidade ou
mesmo um crime que poderia levar a cumprir dias, meses, anos de prisão. Mas em
um mundo louco como o nosso é melhor nunca dizer nunca, porque pode acontecer
com qualquer um!
Desde
julho de 2006 até hoje, nós conhecemos mais de 2.000 pessoas que, pela primeira
vez, acabaram cometendo um crime e que foram condenadas a pagar a sua pena no
Arsenal da Esperança de São Paulo, no Brasil. Não em uma prisão, que não existe
na nossa casa, mas em um lugar no qual realizar um serviço a favor de quem se
encontra em uma situação mais difícil. O cálculo é simples: uma hora de serviço
comunitário por cada dia de prisão previsto na pena. Podem ser convertidas
todas as sentenças que sejam de até no máximo quatro anos.
A
porta dos Arsenais é sempre aberta a todos aqueles que dia após dia nos
procuram espontaneamente para consertar alguma coisa que se quebrou, dentro de
si e com os outros. Nesse sentido, cada minuto que conseguimos oferecer é uma
gota acrescentada ao mar de bem que cada dia a Fraternidade da Esperança
alimenta silenciosamente e que se torna oxigênio para a humanidade inteira. No
caso dos condenados a uma medida alternativa à detenção carcerária, trata-se de
pessoas obrigadas a procurar a autoridade judiciária.
Homens
e mulheres como a senhora Adriana que, para conseguir ajudar a filha que estava
em uma situação econômica difícil, deu a ela cheques assinados sem fundos.
Enviada para o Arsenal, passou cerca de um ano prestando um serviço noturno na
nossa biblioteca. O senhor Arnaldo, aposentado, que, descoberto pela polícia
com a garagem cheia de passarinhos protegidos e condenado por crime ambiental,
passou com a gente horas de serviço na lavanderia. Jonas, que em um sábado à
noite, depois de ter bebido além da conta, ao voltar para casa provocou um
acidente de trânsito com consequências fatais: dois anos de serviço comunitário
prestado na acolhida noturna. E há ainda os torcedores de futebol julgados
perigosos e que aos domingos, durante as partidas do time do coração, varrem os
pátios ou lavam as janelas; o empresário que não pagou as taxas e que anota a
presença diária dos acolhidos na nossa casa; a senhora que brigou feio com a
vizinha e que agora descasca batatas na nossa cozinha; e, enfim, rapazes e
garotas – são os casos mais frequentes – flagrados fumando maconha e que agora
trocam os lençóis nos vários dormitórios.
A
maior parte dessas pessoas nunca tinha pensado que corria o risco de acabar na
cadeia, que aqui no Brasil, talvez mais do que em outros lugares, é sinônimo
não só de restrição temporária da liberdade, mas, sobretudo de violência e
escola de criminalidade. E são principalmente os mais jovens que, tendo cedido
à tentação do crime uma vez, acabam caindo na teia maléfica de tantas facções
criminosas que dominam dentro e fora das penitenciárias. Evitar a prisão é,
portanto, fundamental também aos olhos das próprias autoridades judiciárias.
Pela justiça, todavia, nem sempre é fácil encontrar uma comunidade disponível a
quem confiar essas pessoas.
Pessoas
como Adriana, Arnaldo, o amigo aposentado, o rapaz de sábado à noite e os
fanáticos pelo time de futebol, vistos por todos como perigosos ou indesejados,
somam as suas forças às dos voluntários, dos dependentes e dos próprios
acolhidos, misturando-se e completando-se no esforço cotidiano de construir um
pouco de bem, para si e para os outros. Tornam a sentir-se, ou sentem-se pela
primeira vez, uma parte importante, em certos casos até mesmo indispensáveis,
de uma economia da restituição que mesmo quando é conhecida por meio de uma
condenação pode se transformar em uma mentalidade.
Acreditamos
que as 115 mil horas de serviço no Arsenal e de convivência com a Fraternidade
da Esperança e com os mais pobres ajudaram muitíssimas pessoas não apenas a
reparar simbolicamente um dano, mas também a fazer uma reflexão positiva, sobre
si mesmas e sobre uma sociedade sempre pronta a condenar e pouco treinada a
amar, arriscar, inventar, socorrer e, sobretudo, a perdoar.
Um
pequeno conselho: nunca dizer nunca a essas coisas… Condenemo-nos a algumas
horas de bem por semana!
Redação:
Lorenzo Nacheli/ SERMIG - Fraternidade da Esperança
Nenhum comentário:
Postar um comentário