Qual
é o sentido da vida humana? Por que existimos? Há um motivo consistente para a
prática do bem e para evitar o mal? Há muitos modos de compreender a vida,
dependendo das culturas, dos sistemas filosóficos, das ideologias, das
religiões. Essa questão é crucial para o espírito humano, que tenta
responder a ela através de suas múltiplas expressões simbólicas e culturais.
Não
é o caso de analisar, aqui, as muitas respostas. Vamos refletir algo sobre as
respostas do Cristianismo, a nós apresentadas como “Evangelii gaudium” – boa notícia - através da pregação
constante da Igreja. Em particular, algumas convicções basilares aparecem no
tempo litúrgico do Advento.
Trazemos
em nós um anseio irreprimível de superação das nossas limitações, de plenitude
e de paz. Isso move continuamente a humanidade a trabalhar, a buscar soluções,
a mover-se para uma perfeição, que conseguimos alcançar apenas em parte. Leva também à
certeza de que o “pior” não é o “melhor” e, portanto, não nos conformamos com
as coisas que vão mal, mas continuamos a lutar.
A
fé cristã, baseada na Palavra de Deus, apresentada com abundância no Advento,
nos diz que isso não é sonho vazio, nem utopia alienante. Deus não nos fez para
a frustração, mas para a plenitude. Nossa vida não se esgota na precariedade
insuperável do “reino terrestre”, mas está voltada para o “reino celeste”, ao
qual Deus nos atrai e chama a participar, por sua graça e benevolência. Vivemos
de “esperança segura”.
Enquanto
nos debatemos “entre angústias e sofrimentos, alegrias e esperanças”, não
estamos sozinhos, mas podemos contar com a ajuda de Deus, que veio ao nosso
encontro e nos estendeu a mão por meio do seu Filho, o Cristo, Ungido de Deus.
Por isso, nossa vida não precisa estar mergulhada na desorientação e tristeza.
Desde agora, sabemos onde está a luz, o caminho, a porta, o pão a água, a
companhia segura durante o nosso peregrinar neste mundo. Depende de nós,
aceitar a companhia de Deus e sua paterna providência, ou rejeitá-la.
Este
mundo não está entregue a forças cegas, que agem automaticamente sobre ele, com
maldade inclemente, ou com bondade impessoal. A guerra não é desencadeada por
forças ocultas e irracionais; a violência, a corrupção, a injustiça e a miséria
não são fatalidades incontroláveis... O mundo está entregue em nossas mãos,
para que o conduzamos no bem. Depende de nossas escolhas pessoais e comunitárias.
O homem é responsável pelos seus atos, pessoal e socialmente. Toda causa gera
conseqüências.
Por
isso, durante a sua vida, o ser humano deve fazer escolhas conscientes e
acertadas. Deus lhe mostra o caminho, dá o discernimento e concede sua ajuda
para escolhe o bem. Na linguagem da fé, isso significa viver “atentos e
vigilantes”, como nos é dito de várias maneiras na Liturgia do Advento. São
Paulo exorta a “despir-se das obras das trevas” e a “revestir-se de Cristo
Jesus” (cf Rm 13,11-14), ou seja, a viver segundo os ensinamentos do Evangelho.
A
grande tentação do homem, porém, é a de ser o “deus” de si mesmo, acima do bem
e do mal, a última instância para tudo. Não é assim que nós nos compreendemos.
Somos criaturas e não somos senhores absolutos do nosso ser e do julgamento
sobre nossas decisões: a vida e nossas capacidades, incluindo a liberdade para
as escolhas, são dons, que nos são confiados; de seu uso deveremos dar contas a
Deus um dia. Por isso, cabe-nos “vigiar” sobre nós mesmos e sobre nossas escolhas.
Mas
isso não nos deve parecer uma ameaça aterradora: muito mais, isso deve ser
visto como a pedagogia de Deus, que nos conduz pelas estradas da vida, para
alcançarmos a meta suprema de nossa existência - o grande encontro com Ele -, e
para sermos considerados dignos de participar do “banquete da vida eterna”.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
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