No dia 7 de
setembro, semana passada, o papa Francisco convidou cristãos e não-cristãos
para um dia de jejum e oração pela paz na Síria; uma grande multidão o
acompanhou, na praça de São Pedro e no mundo inteiro, durante uma vigília de
quase 5 horas.
O Papa opôs um
claro “não” à lógica da guerra e ao uso das armas para a solução dos conflitos:
a violência traz mais violência; a guerra não é capaz de produzir a paz! E
convidou as partes em luta a deporem as armas, para encontrar uma solução
negociada para o conflito; também incitou governantes e autoridades a não
pouparem esforços para fomentar a cultura do encontro, do diálogo e da
negociação, única via digna para resolver os conflitos.
As palavras do
papa Francisco somam com os constantes apelos de seus predecessores a favor da
paz. João Paulo II foi uma voz firme e incansável contra os humores de guerra e
alertou que, com a guerra, são desencadeados conflitos novos e mais complexos;
Paulo VI, na sede da ONU, em 1965, desafiou os responsáveis das nações: “nunca
mais uns contra os outros, nunca mais! Nunca mais, a guerra, nunca!” João
XXIII, nos anos 60, escreveu a magistral encíclica Pacem in Terris (A paz na
Terra...) onde indicou linhas para prevenir e evitar as guerras e para
assegurar a paz. E lembrou: “nada se perde com a paz, mas tudo pode ser perdido
com a guerra”.
Em 1965, o
Concílio Vaticano II, já na sua fase final, publicou a importante Constituição
Pastoral Gaudium et spes (A alegria e a esperança...), na qual tratou
longamente do esforço necessário para evitar a guerra e para preservar a paz.
Já naquela ocasião constatava: “a humanidade, cada vez mais interdependente e
unificada, consciente desta unidade, precisa assumir em conjunto a
responsabilidade pela construção de um mundo mais humano para todos, em todas
as partes da Terra. Isso só será possível, se todos quiserem realmente a paz”
(GS, 77).
A Igreja, através
dos ensinamentos do seu Magistério, tem-se manifestado constantemente contra a
guerra e a favor da paz; tem insistido no desarmamento e no controle mais
severo do comércio de armas e da corrida armamentista; seu esforço também está
voltado para a cultura da paz e a promoção das condições necessárias para a
preservação da paz. Condenou também o terrorismo e o desprezo da vida humana.
O triste é que o
progresso científico e tecnológico é usado para aperfeiçoar ainda mais os
instrumentos de guerra, destruição e morte! A guerra é sempre uma desumanidade
e traz consigo um sentimento de derrota para a civilização. O Concílio Vaticano
II qualificou como perversas as ordens e ações que contrariam deliberadamente o
direito natural dos povos, sobretudo aquelas que visam metódica e
sistematicamente exterminar povos, nações ou minorias étnicas inteiras: “são
crimes hediondos, que devem ser condenados com veemência” (GS 79).
No entanto, a
Igreja reconhece o direito à legítima defesa a quem for injustamente agredido,
esgotadas todas as possibilidades de entendimento pacífico. “O governo e todos
os que dele participam têm mesmo o dever de proteger o povo e de tomar as mais
graves decisões em face a situações, também de extrema gravidade” (cfr. GS 79).
A paz tem alguns
pressupostos, sem os quais ela não existe e sua manutenção fica muito
comprometida. Na concepção cristã, há uma ordem natural nas coisas, que o homem
deve reconhecer e respeitar; essa ordem precisa ser progressivamente traduzida
no convívio social para que os projetos humanos estejam sintonizados com o
desígnio de Deus sobre o homem e o mundo. “A paz é obra da justiça”, já
anunciava o profeta Isaías alguns séculos antes de Cristo (Is 32,7); hoje
explicitamos isso, afirmando que a paz também é fruto do respeito à dignidade
humana e aos direitos humanos, da solidariedade e do amor.
Pode alguém não
querer paz? Provavelmente sim, na medida em que não aceita as condições
essenciais para a concretização da paz. Os mais altos ideais e valores podem
ser comprometidos pela vontade humana viciada, a sede de poder, os interesses
particularistas e as diversas paixões e vaidades em luta, que se sobrepõem ao
bem da paz; por isso, a preservação da paz requer constante vigilância da parte
de todos. Ela não é um bem estavelmente estabelecido, mas uma tarefa jamais
concluída.
A preservação da
paz requer o propósito firme de respeitar a dignidade das pessoas e povos e a
disposição efetiva de exercer a fraternidade. E, nesse sentido, o papa
Francisco apelou para a força moral que, no fim das contas, precisa ter maior
peso que todas as eventuais razões a favor da guerra; convidou as partes em
luta à grandeza de alma para aceitarem o encontro com os adversários, o diálogo
ao redor de uma mesa de negociação e a busca do entendimento; desafiou ainda à
coragem de reconhecer os erros, de pedir perdão e de perdoar.
A reconciliação é
a única forma de sanar as feridas abertas pela guerra. Seria demais esperar
isso do ser humano e de povos em situação de guerra? Seria impensável que os
inimigos possam mudar de postura e começar a se reconhecer como membros da
mesma família humana?
É um fato: os
conflitos acompanham a história do homem desde que ele tem consciência de si;
e, no nosso mundo, os pressupostos para a paz ainda são muito precários e nem
sempre compartilhados por todos. Mas não podemos deixar de crer que a via do
diálogo e da reconciliação é a mais razoável para a solução dos conflitos; e
que chegará o dia em que as armas de guerra serão inutilizadas e transformadas
em instrumentos de trabalho, conforme a bela visão do profeta Isaías: “de suas
espadas fabricarão enxadas e de suas lanças, foices para a ceifa” (cfr. Is 2,4).
Artigo publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO,
Ed. de 14.09.2013
Cardeal
Odilo Pedro Scherer
Arcebispo
de São Paulo
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