Nem bem
absorvemos as ricas e variadas mensagens da Jornada Mundial da Juventude e já
nos encontramos a celebrar, como todos os anos, o mês das vocações no Brasil.
De fato, a própria JMJ já teve também um forte apelo vocacional. Muitos jovens
participantes, certamente, sentiram, de maneira forte, a voz interior para
viver bem a vida, não importando em qual estado de vida.
A primeira
vocação é o chamado de Deus à vida e a vivê-la na correspondência com o
desígnio de Deus. A isso, o papa Francisco exortou os jovens de muitas
maneiras, quando os encorajou a não perderem a esperança, a não se conformarem
com o consumismo e o hedonismo, a terem a coragem de ir contra a corrente, a
serem solidários... Viver, humanamente, de forma plena e frutuosa, também é parte
da vocação à fé e à vida cristã. O papa Francisco exortou os jovens a serem
protagonistas de um mundo novo.
Agosto, mês das
vocações, no Ano da Fé: que há de novo nisso? As vocações, na Igreja de Cristo,
não são compreensíveis a não ser à luz da fé. O que dá sentido à vida do Padre
e à sua dedicação “às coisas de Deus?” Por qual motivo alguém parte para as
missões no meio de povos que não conhece e a eles dedica sua existência
inteira? O que explica alguém consagrar sua vida inteiramente a Deus, já neste mundo,
vivendo desapegado de coisas boas que a vida oferece? Como explicar que jovens
continuem a casar e casais vivam, mesmo com dificuldades, um casamento fiel,
santo e sintonizado com a vontade de Deus?
A resposta é só
uma: a fé, como resposta a Deus, fruto de uma profunda experiência de Deus. A
fé verdadeira faz perceber a vida a partir de um horizonte novo, que não
despreza o horizonte das realidades humanas e das deste mundo; a fé é uma luz
sobrenatural que se irradia sobre toda a realidade e a faz conhecer a partir do
olhar de Deus. Não é por acaso que o título da encíclica do papa Francisco
sobre a fé é: Lumen Fidei – A Luz da Fé. A fé, dom de Deus, dom sobrenatural,
dá uma capacidade que vai além da nossa natureza. Na Carta aos Hebreus lemos
que “a fé é um modo de já possuir o que ainda se espera; é a convicção a
respeito de realidades que não se veem” (Hb 11, 1).
Sem fé, não há
vocação sacerdotal ou religiosa, nem vocação ao matrimônio ou verdadeira
vocação laical. “Sem a fé, é impossível agradar a Deus, pois é preciso crer que
Ele existe e recompensa os que dele se aproximam”, diz ainda a Carta aos
Hebreus (11, 6). A vocação, no sentido cristão e eclesial, nasce e se
desenvolve no diálogo da fé, na consciência das pessoas, no ambiente de oração,
de escuta da Palavra de Deus e de prática da vida cristã. Sobre isso, falou de
maneira magistral o beato João Paulo II na Exortação Apostólica pós-sinodal
Pastores dabo vobis – Dar-vos-ei Pastores...
Muitas vezes se
pergunta: Por que as vocações diminuem? Por que não despertam novas vocações
sacerdotais e religiosas? As respostas podem ser várias, mas a principal é
esta: por causa da generalizada crise religiosa e da crise de fé. A abundância
de religiosidades ainda não significa abundância de fé cristã. Sem um clima de
fé nos vários ambientes que formam e marcam as pessoas, dificilmente surgem
vocações; a fé, experimentada e vivida pessoal e eclesialmente, torna possível
o surgimento das vocações.
A vida na fé,
consciente, serena e alegre, faz perceber e valorizar o chamado de Deus; ao
mesmo tempo, torna possível cultivar e manter uma ordem de valores e escolhas
na vida, para perseverar na resposta ao chamado de Deus. A conclusão
necessária, pois, parece-me ser esta: ajudar os jovens a terem uma boa
iniciação à vida cristã, como “vida na fé”, nos vários ambientes em que eles
vivem. Mas, sobretudo, nos espaços da família e da comunidade eclesial. Isso
ainda é possível? A JMJ foi uma amostra dessa possibilidade.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo
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