Em entrevista
exclusiva para o jornal O São Paulo, o arcebispo metropolitano de São Paulo,
cardeal dom Odilo Pedro Scherer, fala sobre a ação do poder público na área da
chamada "Cracolândia", na região central da cidade.
O arcebispo
afirma que é preciso combater o uso ilegal das drogas e a ação criminosa dos
traficantes, mas critica os métodos violentos e desrespeitosos que estão sendo
utilizados pela Prefeitura de São Paulo e pelo Governo Estadual na ação de
retomada da "Cracolândia". Dom Odilo fala, também, sobre a presença
positiva e eficaz da Igreja nesses locais de degradação humana.
Veja a entrevista do cardeal
O SÃO PAULO - Qual a avaliação do
senhor sobre a ação da Prefeitura e do Governo Estadual na área da chamada
“Cracolândia”?
Dom Odilo
Pedro Scherer - O tráfico
e o consumo de entorpecentes é um problema grave, que precisa ser enfrentado
com decisão e medidas adequadas pelas autoridades competentes. Além de ser
ilegal, e de o tráfico ser criminoso, esse problema traz prejuízo enorme à
saúde e degrada a dignidade humana nos usuários e dependentes das drogas. Mais
grave ainda, quando se desenvolvem áreas de tráfico e consumo mais ou menos
“livres” em alguma área da cidade, como é o caso da cracolândia, de São Paulo.
Não é pensável que as autoridades façam vista grossa e deixem certos espaços
entregues aos traficantes e gestores do comércio de morte. Por isso, a ação
atenta e permanente das autoridades é necessária.
O SÃO
PAULO - Os métodos usados estão
sendo os mais adequados?
Dom Odilo
Pedro Scherer - Outra
questão é a que se refere aos métodos empregados na ação das autoridades
competentes. É evidente que não se pode aprovar o uso da violência e de métodos
desrespeitosos daquilo que resta de dignidade humana nos usuários e dependentes
das drogas. Espalhar por outras áreas da cidade os dependentes, sem que seja
dada a eles uma ajuda eficaz, também não parece uma boa solução; e a repressão
do consumo, sem coibir e punir, com medidas adequadas, a produção e o tráfico
de drogas, também não resolve o problema.
O SÃO
PAULO - Qual a importância
da presença da Igreja neste tipo de ambiente de degradação social?
Dom Odilo
Pedro Scherer - Antes de
tudo, é preciso afirmar que há uma longa e corajosa presença da Igreja junto
aos dependentes químicos, para lhes oferecer a possibilidade de abandonar o
consumo e a dependência das drogas. Exemplos bons disso são a Campanha da
Fraternidade de 2001, sobre as drogas (“vida, sim, drogas, não!”); as Fazendas
da Esperança e muitas outras instituições voltadas para o socorro e a
recuperação dos dependentes químicos. Na área da “cracolândia” atuam diversas
organizações da Igreja, como o Vicariato do Povo da Rua, a Missão Belém, a
Aliança de Misericórdia, os Irmãos de Emaús e outros mais. Tive a informação de
que, com a atuação solidária e de convencimento, apenas da Missão Belém, nas
últimas semanas, desde antes do Natal, cerca de 150 dependentes de drogas
deixaram a área e foram acolhidos nos locais de recuperação. As organizações da
Igreja têm seu método próprio, muito eficaz, para tratar com o problema e para
recuperar os dependentes. Não basta a desintoxicação do organismo, mas é
preciso recuperar a pessoa, no seu todo, e ajudá-la a recuperar o sentido da
vida. Muito amor, respeito, dedicação, fé em Deus fazem parte desse método.
O SÃO
PAULO - E como enfrentar a
ação dos traficantes de drogas?
Dom Odilo
Pedro Scherer - Este é o
problema mais complexo, pois envolve vários tipos de interesses e
responsabilidades, com quantias enormes de ganhos com negócios ilícitos e com o
“comércio da morte”, como bem definiu o papa Bento 16 na Fazenda da Esperança,
em maio de 2007. O enfrentamento desse problema cabe às autoridades
constituídas e competentes. A Igreja só pode apelar que os promotores da
produção e do tráfico de drogas se convertam e abandonem esse caminho de
maldade; foi ainda Bento 16 quem lhes lembrou que, um dia, deverão prestar
contas a Deus por toda vida perdida e pelos sofrimentos causados aos outros com
suas ações. A penitência e a conversão são caminhos abertos a todos.
Reprodução autorizada com citação da fonte
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