No
dia 9 de junho já vinha sendo celebrada, cada ano, a memória do bem-aventurado
José de Anchieta. Neste ano, ele será celebrado como “São” José de Anchieta
pela primeira vez. A CNBB, na assembleia geral de maio deste ano, pediu à Santa
Sé que a comemoração litúrgica seja de “festa” nas dioceses do Brasil que têm
maior relação com a obra missionária de Anchieta; e de “memória” nas demais.
Ainda se aguarda a aprovação do pedido.
Passados
os fatos da “canonização”, é de se perguntar se isso tudo trouxe algo de novo
para a vida da Igreja? Anchieta tornou-se mais importante depois que a Igreja,
pela decisão do papa Francisco, o proclamou “santo”?
É
bom lembrar as intenções da Igreja, quando ela canoniza alguém. Antes de tudo,
ela reconhece a obra da graça de Deus, que frutificou de maneira extraordinária
nessa pessoa; muitas vezes, o santo teve algum dom especial do Espírito Santo e
o desenvolveu de maneira fiel, colocando-o a serviço da glória de Deus e do bem
do próximo.
Mas,
sobretudo, a Igreja reconhece no santo um discípulo fiel de Jesus Cristo, um
cristão exemplar, cuja vida foi fiel ao Evangelho e pode ser inspiradora para
outros. Por isso, os santos são propostos como exemplos de vida, para que
sirvam de estímulo e encorajamento para os outros. Diante dos santos, vem a
pergunta: se eles puderam, por que não podemos também nós? Se eles permaneceram
fieis à fé, perseveraram até o fim, mesmo através de provações e até no
martírio, por que não podemos também nós?
Por
isso, os santos também são propostos como nossos intercessores junto de Deus;
na Igreja, “comunhão dos santos”, eles bem se interessam por aqueles que ainda
peregrinam nesta vida e lutam para chegar a Deus...
O
que dizer de São José de Anchieta? Seria necessário, por certo, promover um
conhecimento maior dessa figura extraordinária de missionário, que está na
origem da história da Igreja no Brasil. Interpretações distorcidas sobre ele e
sua ação surgiram num clima iluminista de perseguição antijesuítica nos tempos
do Marquês de Pombal, que culminou com a expulsão dos jesuítas do Brasil; tais
versões viciadas passaram aos relatos de história e são ensinadas sem serem
questionadas.
A
história colonial e a saga dos bandeirantes, por vezes, apresentada com orgulho
épico nos manuais de história da pátria, não foi nada amistosa com o trabalho
missionário dos jesuítas e também contribuiu para difundir versões
comprometidas da história. A imagem de Anchieta não escapou ilesa, a ponto de
lhe serem atribuídas atitudes que, de fato, ele combatia, como a escravização
de indígenas e a destruição de sua cultura. Nesse sentido, a figura de Anchieta
bem mereceria ser reestudada e escrita com novos critérios.
São
José de Anchieta tem muito de inspirador para a Igreja e os cristãos do nosso
tempo. Jovem universitário de 19 anos de idade, cheio de fé e ardor
missionário, ele deixou tudo – família, amigos, estudos, pátria, comodidades -
e partiu missionário para um mundo distante e desconhecido; dedicou a vida
inteira a povos que nunca tinha visto e os amou profundamente, desejoso de lhes
levar a luz do Evangelho de Cristo, para valorizar suas vidas: isso pode ser
muito inspirador ainda hoje!
Anchieta,
missionário incansável, sacerdote zeloso e homem de Deus, doado inteiramente à
sua missão; educador inspirado e criativo; promotor da paz, sem medo de
arriscar a própria vida nesta obra; pastor atento aos doentes e pobres, aos
mais frágeis da comunidade, a quem dedicava maiores esforços; fundador de
missões e igrejas, queria ver o benefício da vida cristã permeando a vida das
comunidades humanas e a glória de Deus, reconhecida e proclamada... Exemplos
estimulantes!
Temos
muito a aprender de São José de Anchieta! Sua vida pode inspirar nossa Igreja,
necessitada de ser missionária, de maneira renovada. São José de Anchieta,
rogai por nós!
Cardeal Odilo
Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo