No início da
Quaresma de 2013, as palavras normalmente usadas na imposição das cinzas tomam
um significado todo especial por estarmos no Ano da Fé: “convertei-vos e crede
no Evangelho!”. A fé só é possível mediante uma conversão autêntica; e a fé,
por sua vez, leva a uma conversão sempre mais aprofundada.
É por isso que a
Igreja nos recorda essas palavras do início da vida pública de Jesus, quando
ele anunciava a chegada do Reino de Deus em sua pessoa e com sua pregação. A fé
sincera e confiante em Deus leva-nos a adequar nosso modo de viver a tudo
aquilo que decorre dessa adesão a Deus. Por sua vez, requer evitar e superar o
pecado, ou seja, tudo o que contradiz à dignidade dessa união com Deus.
A conversão é,
portanto, a atitude sincera e coerente com a fé que professamos. Seria
verdadeira a fé de quem não se importa com a observância dos mandamentos da Lei
de Deus? Ou com a fraternidade, a justiça, a caridade, o perdão e o respeito à
própria dignidade e à do próximo? Fé e conversão andam juntas. A conversão é
decorrência necessária da fé.
Durante esta
Quaresma, somos convidados especialmente a uma conversão “de fé”, ou seja, de
aprofundamento e firmeza na fé. Nada de novo há nisso, pois o apelo à fé, para
uma maior fidelidade, operosidade e fecundidade da fé, já faz parte da própria
dinâmica da Quaresma, que culmina na renovação das promessas batismais e da
profissão da fé católica na Vigília Pascal.
No entanto, um
dos objetivos do Ano da Fé também é pedir perdão a Deus e à Igreja pelas
infidelidades à fé batismal, pela frieza, superficialidade e a pouca
importância que talvez estejamos dando à nossa fé, pelo abandono ou até pela
apostasia da fé. Não é raro haver discordâncias abertas em relação a verdades
da fé professadas pela Igreja no Creio... A infidelidade à fé da Igreja, ou seu
completo abandono, são problemas preocupantes e perdas graves na vida de uma
pessoa. Isso só é compreensível pelo pouco conhecimento da própria fé; só se
ama e valoriza o que se conhece!
Por vezes, isso
pode decorrer de equívocos e da confusão entre o respeito profundo devido a
cada pessoa, à sua consciência e à sua liberdade religiosa, com a equiparação
de todas as verdades e religiões, onde nada é mais verdadeiro que nada e,
portanto, tudo pode ser igualmente falso. Cada um, na sua consciência, sente o
apelo à verdade e tem o dever de buscá-la, não ficando insensível nem
indiferente diante da luz da verdade.
Abandonar a fé é
doloroso para a Igreja e um dano grave para quem o faz. Já os profetas
alertavam aos que abandonavam a fé no Deus vivo e verdadeiro para correr atrás
dos ídolos enganadores: “desprezastes a fonte de água viva e quereis matar
vossa sede em cisternas rachadas, que não contêm água!” (cf Jr 2,13). E conclamavam
o povo: “voltai, filhos rebeldes, e curarei vossa rebeldia!” (cf Jr 3,22). E
Jesus proclama: “Quem tem sede, venha a mim e beba!” (Jo 7,37).
Buscar e pedir a
fé, abrir-se à fé, aderir a ela com alegre coração, tudo isso faz parte do
nosso esforço humano, ao qual Deus responde com o dom da fé; Deus não deixa de
se manifestar a quem o busca, Deus se manifesta de muitas formas ao mundo e às
pessoas; acima de tudo, na sua Palavra revelada e em Jesus Cristo, Palavra
viva de Deus, feita carne; nos “mistérios da fé” que celebramos, na Igreja,
corpo de Cristo no mundo, na oração, na pessoa do próximo... Mas há encontros
imprevisíveis e surpreendentes, que o próprio Deus prepara para nos envolver e
nos alcançar com seu amor. Deus não se esconde de quem o procura de coração
sincero.
Nesta Quaresma,
portanto, somos todos convidados a renovar-nos na fonte da fé, que é uma só: o
próprio Deus. No encontro pessoal, sincero, humilde e profundo com ele, todos
nós também peçamos: “Senhor, ajuda-me na minha falta de fé” (cf Mc 9,24); e com
os apóstolos, supliquemos: “Senhor, aumenta a nossa fé!” (Lc 17,5).
Tomar em mãos
todos os dias o Catecismo da Igreja Católica deveria ser parte dos nossos
exercícios quaresmais deste ano. Ler e estudar, com o desejo de crer e de firmar-nos
na fé da Igreja e de crer com a Igreja, com todos os que já creram assim antes
de nós e deram seu belo testemunho de fé pela santidade de vida e pelo
martírio.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo