A recente nomeação da Reitora da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) causou diversas reações na
comunidade acadêmica da Universidade: estranheza, contrariedade e aprovação.
Aparentemente, o motivo foi a escolha, pelo Grão Chanceler da Universidade, não
do primeiro nome da lista tríplice que lhe foi apresentada, mas do terceiro.
Reações até certo ponto compreensíveis.
Talvez algumas reações decorreram da interpretação
equivocada do processo de escolha do Reitor e Vice Reitor da PUC-SP. Conforme o
Estatuto da PUC-SP, compete ao Conselho Superior da Universidade (CONSUN)
“organizar, através de consulta direta à comunidade, por meio de processo
eletivo, a lista tríplice de nomes de professores para escolha e nomeação do
Reitor e respectivo Vice Reitor, nos termos deste Estatuto, encaminhando-a ao
Grão Chanceler” (Art 21/XXII).
E prevê ainda o mesmo Estatuto que ao Grão Chanceler
compete ”escolher e nomear o Reitor e o Vice Reitor dentre os professores de
uma lista tríplice organizada e encaminhada pelo CONSUN” (Art. 43/II).
Portanto, não se trata de escolha direta do Reitor e do Vice pela comunidade
universitária; se assim fosse, não haveria sentido na apresentação de uma lista
tríplice pelo CONSUN, e estaria prevista a eleição direta, pura e simples, do
Reitor e do Vice pela comunidade universitária. Mas não é isso o que consta no
Estatuto.
É verdade que a escolha do Reitor recaiu,
tradicionalmente, sobre o nome mais votado, pelas razões que a Autoridade
competente julgou convincentes; eu mesmo, na escolha precedente, procedi assim.
Mas se, desta vez, seguiu outra ordem, é porque esta possibilidade sempre
esteve implicada na própria apresentação da lista tríplice pelo CONSUN ao Grão
Chanceler.
Toda essa questão leva a refletir algo mais sobre as
Universidades Católicas, que estão ligadas à Igreja e são regidas, quanto à sua
natureza e missão, pela Constituição Apostólica Ex Corde Ecclesiae (“Do Coração
da Igreja”, 1991), do papa João Paulo II. Elas têm sua origem “do coração da
Igreja” e expressam, da maneira que lhes é própria, a missão da Igreja na busca
e explicitação do verdadeiro saber (“sapientia”) e do bem da humanidade.
No que se refere ao ordenamento acadêmico, elas seguem a legislação civil do
país onde se encontram; mas quanto à sua identidade, orientação e objetivos
específicos, elas estão sujeitas às normas da Igreja.
Uma universidade católica, como qualquer outra, é uma
comunidade de estudiosos, dos vários campos do saber humano; também ela se
dedica à pesquisa, ao ensino e às várias formas de serviço à sociedade,
compatíveis com sua identidade e missão. Enquanto “católica” e, em nosso caso,
também “pontifícia”, ela está ligada à Igreja, segue suas diretrizes e deve
realizar suas atividades de maneira coerente com os ideais, princípios e
comportamentos católicos; nem se poderia esperar que fosse diversamente, ou até
o contrário disso.
No entanto, não equivale isso a dizer que todos os que
frequentam a universidade católica devam ser confessionalmente católicos; a
própria PUC-SP acolhe muitos estudantes que não professam a fé católica e são
todos bem vindos; a liberdade de consciência é plenamente respeitada e o credo
católico não é imposto a ninguém. Mas é certo que a própria universidade tem a
missão de apresentar e honrar a sua identidade diante de todos os que a
frequentam e integram a comunidade acadêmica.
A liberdade de pensamento, ensino e manifestação das
ideias, consagrada pelas Constituições dos países democráticos, assegura esse
direito às instituições confessionais e não confessionais. Regimes
totalitários, geralmente, são intolerantes em relação a universidades
“confessionais”, ou que não se alinhem plenamente ao pensamento único e
oficial, impedindo até mesmo a sua existência e livre atuação.
Poderia parecer que as universidades católicas e
outras, de tipo confessional, existem apenas para a vantagem das próprias
Instituições que as mantêm, mas isso é outro equívoco. Elas são, antes de mais
nada, instituições de educação, ensino, formação de pessoas e de fomento da
cultura dos povos, à luz de suas próprias percepções e interpretações da
realidade. E não deve ser visto como um dano para a sociedade que haja
instituições com diversos tipos de diretrizes na educação e na formação dos
cidadãos. O conjunto da cultura e do convívio social fica enriquecido com uma
sadia pluralidade educacional. Contrariamente, se tudo tendesse ao pensamento
oficial e único, haveria o risco de uma cultura monótona e com horizontes
sempre mais estreitos. Isso não representaria um benefício para a convivência
plural e democrática.
A universidade católica tem uma contribuição
específica a dar para a formação cultural; e essa contribuição decorre da visão
cristã sobre o homem e o mundo, que tem desdobramentos, entre outras coisas, na
filosofia em geral, na antropologia, na ética, educação, na psicologia, na
economia, na política e também na técnica. Esses princípios cristãos oferecem
uma forma própria de interpretação sobre o homem, a sociedade, as relações
sociais e a história; e também, sobre a natureza e a interação do homem com o
ambiente da vida.
Mais uma vez, entendo que a universidade católica não
tem a finalidade de impor as expressões próprias de uma “cultura cristã” às
pessoas e ao convívio social, mas de as oferecer como contribuição, que procede
da sua própria autoconsciência, para o enriquecimento da cultura e da vida
social. A universidade católica é, por excelência, um espaço de diálogo cultural,
onde ela tem muito a oferecer, ex corde Ecclesiae, a partir do âmago de
sua identidade, da sua mensagem e da experiência secular da Igreja.
Publicado em O ESTADO DE SÃO PAULO, ed. de 08.12.2012
cardeal dom Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo